30/03/2010

– Eles são feitos de carne.

– Carne?

– Carne. Eles são feitos de carne.

– Carne?

– Já não há mais qualquer dúvida. Capturamos diversos deles de diferentes partes do planeta, trouxemos a bordo das nossas naves de reconhecimento e submetemos a todo tipo de exame. Eles são completamente carne.

– Isso é impossível. E que dizer dos sinais de rádio? As mensagens para as estrelas?

– Eles usam as ondas de rádio para conversar entre si, mas os sinais mesmo não vêm deles. Os sinais vêm de máquinas.

– Então quem fez as máquinas? São esses que queremos contatar.

– Eles fizeram as máquinas. É o que estou tentando te dizer. A carne fez as máquinas.

– Isso é ridículo. Como é que carne poderia fazer uma máquina? Você está me pedindo para acreditar em carne autoconsciente.

– Não estou pedindo, estou dizendo. Essas criaturas são a única raça autoconsciente daquele setor e são feitos de carne.

– Talvez eles sejam como os orfolei. Você sabe, inteligência baseada em carbono que passa por um estágio de carne.

– Não. Eles nascem carne e morrem carne. Estudamos as criaturas por vários de seus ciclos de longevidade, que são bem curtos. Você faz ideia de qual é a vida útil de carne?

– Poupe-me. Tudo bem, quem sabem eles sejam só em parte carne. Você sabe, como os weddilei. Uma cabeça de carne com um cérebro de electroplasma dentro.

– Não. Pensamos nisso, já que eles têm cabeças de carne como os weddilei. Mas eu disse, examinamos os caras. São carne do começo ao fim.

– Sem cérebro?

– Ah, têm cérebro, sim senhor. A questão é que o cérebro é feito de carne! É o que estou tentando te dizer.

– Mas… o que é que faz a parte de pensar?

– Você não está mesmo querendo entender, não é? Está se recusando a assimilar o que estou dizendo. O cérebro é que faz a parte de pensar. A carne.

– Carne pensante! Você está me pedindo para acreditar em carne pensante!

– Exato, carne pensante! Carne consciente! Carne amorosa. Carne sonhadora. A carne é a questão toda! Você está começando a sacar ou devo começar de novo?

– Meudeus. Você está falando sério então. Eles são feitos de carne.

– Valeu. Finalmente. Sim. Eles são de fato feitos de carne. E vêm tentando entrar em contato conosco ao longo de quase cem dos anos deles.

– Meudeus. Então o que essa carne tem em mente?

– Primeiro quer entrar em contato conosco. Imagino que depois queira explorar o universo, contatar outras entidades inteligentes, trocar ideias e informação. O usual.

– Estão esperando que a gente entre em contato com carne.

– É essa a ideia. É a mensagem que eles vêm transmitindo pelo rádio: “Alô. Tem alguém aí. Alguém em casa.” Esse tipo de coisa.

– Eles falam, então. Usam palavras, ideias, conceitos?

– Ah, sem dúvida. Só que eles usam carne para fazer isso.

– Você acaba de me dizer que eles usam o rádio.

– Usam, mas o que você acha que está no rádio? Sons de carne. Sabe quando você sacode ou estala um pedaço de carne e ele faz um barulho? Eles conversam estalando a sua carne uns para os outos. Até conseguem cantar, esguichando ar pela carne deles.

– Meudeus. Carne cantante. Isso já é demais. O que você aconselha?

– Oficialmente ou extraoficialmente?

– Os dois.

– Oficialmente somos obrigados a entrar em contato, dar boas-vindas e protocolar toda e qualquer raça consciente ou multiseres deste quadrante do universo, sem preconceito, medo ou preferência. Extraoficialmente, aconselho que apaguem-se os registros e que esqueçamos a coisa toda.

– Eu estava esperando que você dissesse isso.

– Parece cruel, mas há um limite. Queremos de fato fazer contato com carne?

– Concordo cem por cento. O que haveria para dizer? “Alô, carne. Tudo bem?” Mas será que isso vai dar certo? De quantos planetas estamos falando?

– Só um. Eles podem viajar a outros planetas em contêineres especiais de carne, mas não podem viver neles. E, sendo carne, só podem viajar no espaço C, o que os limita à velocidade da luz e torna a possibilidade de chegarem a fazer contato bem pequena. Quase nula, na verdade.

– Então só temos que fingir que no universo não tem ninguém em casa.

– Exato.

– Cruel. Mas você mesmo disse, quem quer conhecer carne? E aqueles que estiveram a bordo de nossas naves, aqueles que vocês examinaram? Tem certeza de que eles não vão lembrar?

– Serão considerados malucos se lembrarem. Entramos no cérebro deles e alisamos bem a carne, de modo que somos apenas um sonho para eles.

– Um sonho para a carne! É estranhamente apropriado isso, que devamos permanecer sonho de carne.

– E marcamos o setor inteiro como desocupado.

– Muito bem. Está concordado, oficialmente e extraoficialmente. Caso encerrado. Algum outro? Alguém interessante naquele lado da galáxia?

– Sim, uma tímida mas doce colmeia inteligente de aglomerados de hidrogênio numa estrela classe nove na região G445. Chegou a manter contato há duas rotações galáticas, quer reatar a amizade.

– Esse pessoal sempre acaba voltando.

– E porque não? Imagine quão insuportável, quão inconcebivelmente frio seria o universo para quem estivesse sozinho nele.

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